Em período de grande instabilidade, causada, principalmente, pela recente pandemia da COVID-19, começaram a surgir diversas dúvidas no público em geral em relação às formas de dispor de seus bens após a sua morte.
Esse assunto, mesmo estando bastante difundido nas culturas midiáticas, ainda pode ser considerado como uma realidade distante para a maioria dos brasileiros que não entendem a forma como o testamento poderá ser realizado.
Desse modo, o primeiro passo é entender que qualquer pessoa poderá definir a forma como os seus bens serão dispostos, sem interferência externa e de acordo com sua própria vontade, exceto por algumas restrições provenientes da legislação,
Nesse sentido, nota-se que esse assunto deve ser debatido com mais frequência, pois, mais do que uma possibilidade, a divisão do próprio patrimônio é um direito de quem o instituiu, ao longo de toda sua vida, com seus próprios esforços.
Nesse artigo iremos tratar sobre como funciona o testamento particular, sobre as restrições deste documento, sobre os outros tipos de testamentos previstos na legislação brasileira e sobre quem poderá ajudá-lo para que as suas últimas vontades sejam cumpridas sem complicações desnecessárias.
O que é um Testamento Particular?
O testamento, no sentido geral do direito, é um documento redigido em vida em que o testador expressa as suas vontades finais, da forma como considerar melhor, para que seu desejo seja realizado após o óbito.
O testamento particular possui várias semelhanças quando comparado a outros tipos de testamentos, como o público ou o cerrado. Contudo, suas formalidades serão diferentes, pois o documento é redigido como documento privado, sendo escrito pelo próprio testador, por meio dos mais diversos tipos de formas.
Desse modo, o testador deverá redigir suas vontades de forma personalíssima e unilateral, não sendo necessário que o documento possua apenas conteúdo patrimonial, embora, geralmente, o testamento seja utilizado para a realização da sucessão hereditária.
Esse documento particular possui seus próprios requisitos de validade, uma vez que não é realizado em cartório, na presença de tabelião, sendo necessária a presença de pelo menos 3 testemunhas para torná-lo válido.
Importante mencionar que o testamento particular não tem validade própria, pois há necessidade de homologação deste documento pelo juiz. Só depois deste ato é que o cumprimento do que estiver disposto estará assegurado.
Quando comparado aos outros testamentos previstos no Código Civil, o testamento particular é aquele que possui maior fragilidade. Isso, porque o documento não é registrado em cartório, então não possui cumprimento direto, bem como o seu conteúdo é sabido por todas as pessoas que ali servem como testemunhas.
Ademais, esse testamento é apenas um documento escrito, sendo muito mais suscetível à ocorrência de fraude ou de alteração sem o consentimento do testador.
Até mesmo por causa dessa fragilidade, o documento precisará possuir a sua autenticidade comprovada em juízo, por meio da palavra das testemunhas que escutaram seu teor.
Isso também significa que problemas quanto ao cumprimento dessas disposições poderão surgir, uma vez que as testemunhas poderão ou não atestar o que ali está escrito.
Caso haja discordância entre as testemunhas, o testamento privado simplesmente não será cumprido da forma desejada pelo seu testador, mas apenas nos exatos termos da lei.
Vale mencionar que, caso um dos herdeiros não concorde com o que está escrito, poderá também tentar desconstituir o testamento, se assim obtiver provas ou indícios de adulteração no seu conteúdo ou se houver insanidade mental no momento da confecção.
O testamento particular, apesar de ser mais flexível em formalidades, ainda possui certa rigorosidade em seu conteúdo, não podendo a vontade do testador, de forma alguma, substituir a lei no que for considerado direito líquido e certo dos herdeiros.
Nesse caso, por exemplo, o testador não poderá de forma irresponsável simplesmente doar todos os seus bens para qualquer pessoa. Apenas 50% deles poderão ser dispostos da sua maneira, os outros 50% permanecem sendo de direito dos herdeiros necessários.
Por fim, interessante que se saiba que, no testamento privado, o testador ainda poderá utilizar condicionais e/ou substitutivos, entre outras condições, para a transferência do seu patrimônio, desde que não infrinja direitos indisponíveis.
Qual a diferença entre Testamento Público e Testamento Particular?
O testamento público e o testamento particular possuem duas diferenças principais: uma em relação à forma como é feito o documento e outra em relação a sua validade post mortem.
O testamento público será realizado por tabelião, momento no qual o testador ditará quais são as suas vontade finais. Esse processo é acompanhado por duas testemunhas que também assinarão o documento quando estiver finalizado.
Por outro lado, o testamento privado será realizado em qualquer lugar que seja conveniente ao testador, depois suas vontades serão lidas na presença das testemunhas (pelo menos três) que atestarão a validade do seu conteúdo.
Quanto à sua credibilidade perante o direito, o testamento público possui eficácia imediata e plena após a morte do testador, sendo diretamente reconhecido. Enquanto, o testamento privado precisa passar por um processo de homologação perante o juízo.
Tipos de testamento previstos na legislação brasileira
O artigo 1.862 do Código Civil atesta três tipos de testamentos ordinários: o público, o cerrado e o particular.
O testamento público, como dito anteriormente, é realizado e redigido por tabelião ou substituto legal do livro de notas, e deverá seguir as determinações do testador. O documento será lido na presença de duas testemunhas e do testador e, logo depois, assinado.
Possui eficácia plena e imediata após a morte do testador.
O testamento cerrado ou secreto é escrito pelo testador ou por outra pessoa a seu cargo, devendo ser validado pelo tabelião ou seu substituto legal, desde que entregue a este na presença de duas testemunhas, sendo, depois, assinados por todos os presentes.
O testamento particular, por outro lado, possui menos formalidades sendo escrito pelo próprio testador, depois lido em voz alta na presença de três testemunhas que asseguraram seu conteúdo.
Após a morte do testador, esse documento será homologado na justiça, depois de confirmado pelas testemunhas presentes.
Como fazer um Testamento Particular?
Como já mencionado, o testamento particular é um documento no qual o testador dispõe sobre suas últimas vontades, patrimoniais ou não-patrimoniais.
Entretanto, como em todos os testamentos, eles precisam estar condizentes com a legislação e não podem ser, de forma alguma, conflitantes com o direito, possuindo então regras rigorosas que deverão ser seguidas, para que a validade seja atestada futuramente.
Apesar dessa rigorosidade, em tese, o testamento particular é um dos documentos de mais simples confecção, porque poderá ser realizado por escrito, redigido à mão ou digitado, em qualquer lugar, desde que se atenda a algumas de suas características.
Esse documento possui natureza personalíssima. Isso quer dizer que a vontade do testador precisa ser unicamente sua, sem interferência de qualquer outra pessoa, mesmo que seja dos herdeiros.
Outro ponto desse tipo de testamento, é que ele deverá ser unilateral. Essa característica deriva da impossibilidade do testamento se transformar em um documento negocial. Logo, não pode haver contrapartida do herdeiro.
É também um documento que deve ser escrito de forma livre e desimpedida, sem qualquer vício, (erro, dolo e coação), ou outras formas de manipulação de vontade por pressão externa.
Outra característica importante a ser observada é que, obrigatoriamente, os testamentos particulares necessitam de, pelo menos, três testemunhas para assinar o documento formulado, sendo que elas escutarão todo o conteúdo do testamento.
Essas testemunhas precisam estar devidamente qualificadas no referido documento, com nome, estado civil, documentos de identificação e endereço completo e atualizado na data do ato, para que, futuramente, possam atestar validade do ato perante o judiciário.
No caso, após o óbito do testador, as testemunhas serão intimadas em juízo para assegurar que não houve fraude ou modificação do conteúdo, sendo sua obrigação atestar corretamente se o que está escrito coincide com o que testemunhou.
Devido a essa formalidade, recomenda-se que o testador possua mais do que três testemunhas, pois, com o decorrer dos anos, as testemunhas poderão perder a memória do ato, tornarem-se incapazes ou até mesmo falecerem, o que colocaria em risco todo o processo de legitimidade do documento criado.
Por fim, provavelmente, um dos passos mais importantes na criação de um testamento particular é o seu acompanhamento por um advogado especializado na área.
Todavia, você deve estar se perguntando: a presença do advogado é obrigatória no testamento? E a resposta é não.
No entanto, ele será o único profissional capacitado para acompanhar todo o procedimento, para prestar esclarecimentos, para assegurar a inexistência de vícios e para tirar dúvidas do testador, apesar de nunca poder ser parte definitiva do processo decisório.
Restrições de bens para testamentos
É importante que o testador saiba como definir o que pode ou não entrar em seu testamento. Para tanto, algumas regras devem ser seguidas no momento da disposição dos seus bens.
1 – nunca disponha em testamento bens que não são seus.
Essa pode ser uma das restrições mais simplórias quando se observa a disposição de vontade do testador, contudo, essa hipótese acontece com certa frequência, principalmente se a parte não estiver devidamente acompanhada por advogado.
A forma mais comum de ocorrência são com os bens da meação.
Quando uma pessoa está casada ou em comunhão parcial ou total de bens, metade dos bens adquiridos durante a relação conjugal deverá ser igualmente dividida entre os cônjuges. Essa é a meação.
Dessa forma, o testador não poderá colocar em testamento os bens que forem alvos dessa divisão, pois metade destes pertencem ao seu cônjuge e lhe integrarão patrimônio próprio.
2 – Os Herdeiros necessários.
O direito civil possui regras bastante específicas em relação aos herdeiros, que deverão necessariamente receber parte do patrimônio dos falecidos. Essas são regras que não poderão ser modificadas, mesmo que sejam de interesse do testador.
Desse modo, de acordo com o artigo 1789 e parágrafo 1º do artigo 1857 do Código Civil, o testador poderá dispor em testamento de todos os seus bens apenas se não tiver herdeiros necessários. Se tiver, 50% deverá ser resguardado a eles.
Esses herdeiros necessários são previstos no código civil como os descendentes (filhos, netos e bisnetos), os ascendentes (pais, avós ou bisavós) e o cônjuge, para além do que seria de sua meação.
3 – Disposições negociais.
Como anteriormente relatado, o testamento particular precisa ser um ato unilateral de vontade. Portanto, não poderá ser alvo de uma cláusula contratual.
Por exemplo, o testador realizou contrato, colocando no documento uma cláusula prevendo que entregaria parte de sua herança para cumprimento daquela obrigação, deixando assim explícito em testamento esse “pagamento”.
Essa é uma prática vedada.
Benefícios do Testamento Particular
Os benefícios do testamento particular estão justamente na praticidade da sua confecção, uma vez que esses documentos não necessitam de registro no cartório. O testador poderá realizá-lo em qualquer lugar, desde que cumpra os requisitos de validade.
Poderá também ser redigido de forma mais livre, por escrito ou digitado. Ademais, é uma alternativa mais barata quando comparada com as demais formas de disposição de vontade.
Apesar desses benefícios, é importante enfatizar algumas complicações decorrentes desse documento, que possui uma fragilidade muito maior em comparação ao Testamento público ou secreto.
Justamente por ser feito em qualquer lugar de forma escrita ou digitada, ele também é facilmente modificado, fraudado e/ou adulterado por outras pessoas.
Ademais, a sua eficácia depende exclusivamente das testemunhas, uma vez que o seu conteúdo precisa ser atestado por, no mínimo, 3 das pessoas que ali foram colocadas.
Não havendo existência dessas pessoas, qualquer que seja o motivo, o testamento também não terá validade, sendo a vontade do testador substituída pelo que diz a lei no caso de sucessões.
Como ocorre a confirmação do Testamento Particular?
O testamento particular precisa ser levado a juízo para adquirir legitimidade, pois não possui formalidades dentro do seu período de confecção.
Desse modo, o documento, devidamente assinado, com todas as testemunhas qualificadas, será analisado pelo juiz, que averiguará se o documento possui os requisitos iniciais necessários de validação.
Depois, o juiz convocará todas as testemunhas ali descritas para assegurar que o conteúdo não foi corrompido, que não sofreu qualquer tipo de alteração e que encontra-se livre de possíveis embaraços.
Após a validação ocorrida pelas testemunhas, os herdeiros ainda poderão ser escutados pelo juiz, caso possua algum tipo de dúvida ou de queixa relativa à validade do documento, bem como formalidades condizentes com o processo.
Apenas depois de todos esses trâmites o testamento particular poderá ser homologado.
Vale ressaltar que, se as testemunhas não estiverem presentes, o juiz não poderá substituí-las e não poderá haver homologação do testamento particular, exceto se a redação desse documento ocorreu de forma emergencial.
Qual a importância de um advogado na realização de um Testamento Particular?
O advogado é uma das partes mais importantes na elaboração de um testamento particular. Isso se conclui, porque o testador não possui parâmetros indicativos de que as suas vontades ali dispostas são possíveis ou condizentes com a lei vigente.
Esse profissional servirá, sobretudo, para assegurar que o processo foi realizado sem vícios de vontade, de forma unilateral e personalíssima.
Nesse sentido, a função do advogado será de prestar os esclarecimentos, de sanar dúvidas em relação à distribuição dos bens, de averiguar que os requisitos de legitimidade estão sendo cumpridos da forma exigida em lei e até mesmo de acompanhar o procedimento até a sua homologação.
No entanto, vale lembrar que o advogado nunca poderá servir como fator decisivo para a deliberação do testador, sob pena de ser considerada a influência externa do profissional na decisão daquele.
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